A voz de Oz...

A tarde de verão seguia instável. Sol e chuva. Calor e frio. Conversas. Segredos. Sorrisos. E a pipoca de sal atribuindo sabor único àqueles momentos. A rede balançava ao sopro do vento litorâneo que ia folheando o livro ali esquecido. Era uma edição de capa amarela e ilustrada do Mágico de Oz. Ignoro a linguagem do vento. Mas creio que ele lia e sussurrava com suas palavras encantadas trechos do livro. Senti que sim. O ar parecia trazer aos meus ouvidos passagens que só meu coração entendia. Assim como as árvores e flores, abelhas e formigas, pássaros e mais pássaros ouviram o Leão clamando por coragem. O Espantalho por um cérebro. O Homem de Lata por um coração. E Dorothy repetindo eternamente que "não existe nenhum lugar como o nosso lar."

Mar e amar ao sol...

Renovador mesmo é acordar cedo. Levantar sem receio de viver, espantando imperiosamente qualquer preguiça remanescente do sonho desperto. Olhar o céu ainda sem sol e poder celebrar o término do baile das estrelas. Cinco e meia, mostra o relógio meio sonolento. Em uma bolsa, duas maçãs e algumas outras coisas. Seu pedalar rítmico alcança minha varanda. Chegamos à praia no tempo certo. Quando o céu sorri e o sol nasce. O mar envaidece por poder espelhar o magnífico espetáculo. Nós, com as palavras suspensas e os corações acelerados, deixamos o silêncio do olhar triunfar na sua contemplação.




À saudade sentida...

Cheguei há pouco tempo de viagem. Portanto, quase não tenho me dedicado a escrever aqui no blog. Ainda não consegui afastar por completo as saudades que senti da minha família, dos meus amigos e também uma pessoa muito especial. Aliás, a pessoa tem nome: João. Vários de meus textos, poemas e fragmentos desse verão foram inspirados na falta que ele fez. Essas saudades impiedosas extrapolaram a dimensão limítrofe do sentir. Encontraram brechas em nossos pensamentos e exigiram uma expressão concreta através de um lápis a riscar palavras no papel. Eis algumas dessas belas palavras...

Soneto à Lara

- Lara, moça tão rara
És minha menina, Carolina
E mesmo estando longe um do outro, Peixoto
Sei que o amor persiste, Quiche

- João, moço cheio de presunção
Deixasse teu amor cristalino, Delfino
E que de saudades morres, Torres
Pois não sabes que a saudade me fere também, meu bem?

- Lara, saudade é dor que não sara
És dela conhecida preferida
E já que saudade é tua sina, Ipamerina
Estou aqui te esperando, sonhando

- João, já desci do avião
Estou longe de lá e Olá!
E mesmo estando perto, despertos
Fico com parte do coração distante, uivante

- Mas não se sinta sozinha, Pessoinha
Enquanto eu estiver ao teu lado
Em um abraço apertado

- Mas, moço, como somos enrolados, apegados
Penso em você toda minha vida
Ou melhor, só nas horas repetidas

-Mas então, me diga, querida
Se estas a mim tão apegada
Lara, quer ser minha namorada?

Não resta dúvida de que minha resposta outra não foi senão um eloquente SIM!

Nós com Nós


Nós fracos e fortes
Unidos, enlaçados
Ora desfeitos
Ora refeitos
Ora, digo eu
Nodoso é o amor
Cheio de nós:
Nós dois.


Viajante



Sou um viajante
Vejo bem cedo o sol radiante
Brilhando sempre pedante
Sobre esta estrada maçante
Dando vôo rasante 
Na minha imaginação

Neste vagar constante 
Busco encontrar logo adiante
Este meu amor tão distante
Pelo qual meu coração pulsa uivante.
Como sol abrasante
Ilumina meu amor
E dizer como nunca antes
Que meu amor por ti é gigante
Sua beleza é mais um agravante
Pois meu amor é incessante
Não para um instante 
De amar você.

João Delfino Torres




Lua Bonita - Zé do Norte

Lua bonita, se tu não fosses casada, eu preparava uma escada pra ir no céu te buscar.
Se tu colasse teu frio com meu calor, eu pedia ao nosso senhor pra contigo me casar.

Lua bonita, me faz aborrecimento ver São Jorge no jumento pisando no teu clarão.
Pra que cassaste com um homem tão sisudo que come, dorme, faz tudo, dentro do seu coração?
Lua Bonita, meu São Jorge é teu senhor.
É por isso que ele "véve" pisando teu esplendor.

Lua Bonita, se tu ouvisses meus conselhos...
Vai ouvir pois sou alheio, quem te fala é meu amor:
Deixa São Jorge no seu jubaio amuntado.
E vem cá para o meu lado pra gente viver sem dor.


Ao verme que primeiro roeu as frias carnes de Brás Cubas...


    Confesso que li Memórias Póstumas obrigada pelas circunstâncias. Estava participando de um curso de literatura e cinema e a cada semana era necessário ler um livro diferente, até que chegou a vez de Memórias Póstumas e não tive como protelar mais. O livro foi lido em duas tardes. A dedicatória incomum me surpreendeu logo de início. O narrador já começa o livro anunciando sua condição de defunto autor, que a partir da morte vai narrar sua vida. Livre da opinião de terceiros e das máscaras e falsidades utilizadas em vida para manter as aparências e a boa convivência, Brás Cubas não hesita em contar sua história sem eufemismos ou hipocrisias. É o desabafo honesto de um homem comum, até mesmo medíocre, com seu primeiro amor, ilusões, tristezas e erros. Muitas passagens memoráveis me fizeram rir durante um bom tempo, afinal, como esquecer as lamentações de Cubas: " Por que bonita, se coxa? Por que coxa, se bonita?", ou então Quincas Borba e o humanitismo ou, ainda, a famosa ideia fixa do emplastro Brás Cubas contra a melancolia?  
    O filme "Memórias Póstumas" cumpriu seu papel, conseguindo ficar à altura do livro. O padrão da história, contada em primeira pessoa por Brás Cubas, foi mantido. À medida que ele narrava os fatos, sua imagem congelava e os acontecimentos iam se sucedendo. Reginaldo Farias interpretou perfeitamente o defunto Cubas. A ironia bem-humorada do filme ficou na medida certa. A fotografia, belíssima e a trilha sonora também.  

A Árvore da Vida - Terrence Malick


foto de A Árvore da Vida

   Ainda não sei ao certo se entendi o filme completamente. Caso precisasse descrevê-lo com apenas uma palavra, seria mistério. Terrence Malick já mostrava traços marcantes de sua personalidade como cineasta em "Terra de Ninguém". Em "A Árvore da Vida", ele pôde expandir sua estética e percepção, abordando a vida e a morte. A fotografia do filme lembra a natureza vívida e verde do verão e da primavera. Senti algumas cenas meio descontextualizadas e perdidas no decorrer do filme, contudo, como já disse, é um filme para ver visto e revisto. A história divide-se entre a visão da mãe e do pai sobre a perda do filho e a visão do irmão mais velho.
   Uma das partes mais ousadas é a que a mãe conversa com Deus e procura imaginar onde estará seu filho. Durante esse monólogo são mostradas cenas impactantes, às vezes até mesmo incompreensíveis, da natureza. O pai, o senhor O'Brian, no caso Brad Pitt, denota sentir remorso por suas atitudes em relação ao filho falecido. Porém inicialmente não nos é possível entender o porquê. De repente, o rumo da história se desvia para o irmão mais velho, Jack, interpretado por Sean Penn. Encontramos ele já adulto, estabilizado e, no entanto, infeliz. Em um pico de lucidez, ele constata: " O mundo foi entregue aos cães. As pessoas são gananciosas e ficam cada vez piores." A impressão passada pelas primeiras cenas em que Jack aparece é de confusão e opacidade, como se algo estivesse fora do lugar.
   Em seguida, há um flashback. Então o filme de fato começa. Acompanhamos o nascimento dos três filhos do casal O'Brian, os primeiros passos e as primeiras palavras. Malick começou a contar sua história tendo em vista a morte para depois mostrar o surgimento da vida. É interessante observar a forma como as pessoas encaram esse dois acontecimentos. 
   Aos poucos, é revelado o caráter do pai. Aliás, confesso que Brad Pitt conseguiu me surpreender e apagar absolutamente meu preconceito. Ele dá vida a um pai de família autoritário, opressivo e frustrado, que não conseguiu realizar seu sonho de ser um pianista e deseja ver seus filhos "vencerem na vida" (seja lá o que isso quer dizer). Os filhos vivem presos a formalidades inacreditáveis, não conseguindo sequer se afeiçoar ao pai. Jack, o mais velho, é o mais revoltado de todos. A mãe, ao contrário, representa toda a leveza da família. A atriz que representa a senhora O'Brian, chama-se Jessica Chastain. Eu não conhecia nenhum de seus trabalhos anteriores, todavia, fiquei encantada pela sua atuação.
   Quando o pai perde o emprego, a família é forçada a se mudar. Com essa perda, o pai reavalia suas atitudes. Coloca tudo em uma balança e percebe que seu único bem é a sua família. Nesse momento, a história se torna muito mais subjetiva do que até então. O foco volta para o presente, para a visão do irmão mais velho. Prefiro omitir detalhes sobre o final, uma vez que eu mesma não soube muito bem como interpretá-lo. Na minha opinião, o filme é a estrada percorrida pela família para tentar entender a morte. Por isso as lembranças, o começo da vida retorna para que se possa compreender melhor o fim. E o final do filme, para mim, foi a paz da compreensão do pai, da mãe e dos filhos sobre o mistério da vida e da morte. 
   Esse filme exige paciência e atenção. Não é um filme fácil de ser assistido, portanto há quem o odeie e quem o ame. Ele foi indicado ao óscar em três categorias: melhor filme, melhor direção e melhor fotografia. Conhecendo os padrões atuais dessa premiação, duvido que ele vença nas duas primeiras alternativas citadas, contudo, acho que o óscar de melhor fotografia é mais do que merecido. É obrigatório. 



O amor...

... no varal.
Que o sol a tudo vença.
Que seque todo o mal.
Que entre nós não haja desavença. 
Que se faça ausente o temporal. 
Somente a tua e a minha presença. 
Brincando tal sabiás no varal.





A Escrava Isaura - Bernardo Guimarães

  Este livro, escrito em 1875 por Bernardo Guimarães, representa uma audaciosa crítica à escravidão. Em uma única história são vislumbrados vários aspectos dessa condição. A ausência de liberdade creio que é o pior. Dói pensar que já vivemos uma época em que isso fosse possível. Além disso, o preconceito pungente e desumano alimentado por uma sociedade cega. Os abusos incontáveis sofridos e tantas outras consequências desse rótulo de "ser escravo". Apesar de realista no que tange à escravidão, o livro de Bernardo Guimarães faz parte do movimento literário denominado romantismo. As descrições das paisagens e personagens feitas pelo autor possuem uma profusão de adjetivos e são muito poéticas. Li esse livro com um dicionário ao meu lado. Aparecem grifadas incontáveis palavras ao longo das páginas. Não resta dúvidas de que ler "A Escrava Isaura" enriqueceu muitíssimo meu vocabulário. Mais um motivo para ler os clássicos da literatura brasileira, deixando de lado os preconceitos. 
   A história, ambientada no início do reinado de D. Pedro II, narra as desventuras e venturas de Isaura. Filha de uma bela escrava e de Miguel, um bondoso feitor português, Isaura perdeu a mãe quando ainda contava com tenra idade. A esposa do dono da fazenda à margem do rio Paraíba, onde ela nascera, lhe proporcionou primorosa educação. Isaura cresceu cercada de carinho, porém sob a sombra da escravidão. Antes de morrer, a velha senhora expressou ao marido, ao seu único filho, Leôncio, e a sua nora, Malvina, o desejo de que, com a sua morte, Isaura fosse liberta. Logo que faleceu a senhora, o filho e o marido esqueceram-se completamente da promessa feita. Leôncio hesitava pois tinha, em seu íntimo, vis intenções relacionadas à jovem. Ela resistiu bravamente às investidas do rude conquistador, atiçando seu ódio. Com o ímpeto de se vingar, Leôncio sujeitou Isaura ao árduo trabalho de tecer lã e algodão exposta a condições precárias. Mesmo assim, ela não cedeu ao orgulho ferido de Leôncio. 
   Depois de tentar, em vão, comprar a liberdade de Isaura, seu pai decide tomar uma providência mais séria. Os dois fogem juntos para o Recife. Lá instalam-se em uma pequena chácara usando os codinomes de "Elvira" e "Anselmo". Leôncio despende todas os recursos possíveis para encontrar Isaura. Receosa de ser reconhecida, ela evita ir a festas. Contudo, devido a insistência  de seu pai, ela aceita comparecer a um baile. Não demora para que seus dotes e encantos sejam percebidos. Álvaro, que se apaixonara perdidamente por Isaura, declara seu amor durante o baile. Nesse contexto, desenvolve-se o clímax final do livro: a pequena é reconhecida por um dos presentes. 
"- É assombroso! Quem diria que debaixo daquela figura de anjo estaria oculta uma escrava fugida!
- E também quem nos diz que no corpo da escrava não se acha asilada uma alma de anjo?"
Álvaro não abandona Isaura no momento em que fica sabendo a verdade sobre sua origem. Contudo, Leôncio estava disposto a ir além de qualquer limite para satisfazer sua maior vaidade: ter de volta Isaura. Avisado do paradeiro da escrava, ele vai ao Recife. Sob protestos e súplicas, ela é levada de volta. 
Por fim, Leôncio concorda em lhe conceder a liberdade contanto que case com um ignominioso trabalhador da fazenda, chamado Belchior. É armada uma farsa para fazer com que Isaura pense que Álvaro se casara. Com as esperanças despedaçadas, ela aceita, resignada, o casamento.
   Enquanto esses acontecimentos se passavam, Álvaro buscava incansavelmente uma solução a para o infortúnio de sua amada. Até descobrir as dívidas exorbitantes de Leôncio. Álvaro então partiu em busca dos credores e quitou as dívidas, tornando-se dono da fazenda e de todos os seus escravos. Não podendo suportar esse golpe, Leôncio, o carrasco da história, suicidou-se com um tiro na cabeça.
   Como todo o romance de verdade, este também tem um final feliz para quem penou no decorrer da história: Isaura. Ela terminou com um apaixonado pedido de casamento de Álvaro e um belo futuro à frente.
     "É vã e ridícula toda a distinção que provém do nascimento e da riqueza."