Posted by Lara C. P. Quiche -
sexta-feira, 13 de abril de 2012
A conversa era um tête-à-tête noturno entre amigos. Os assuntos transitavam do dia de um para o dia do outro. Ia de questões metafísicas como o amor e a saudade aos vícios e acontecimentos triviais. No final do dia, resta um sabor granuloso na boca, um estremecimento nas mãos. Algo em nós que precisa expressar a essência do que aconteceu. Alguns escrevem diários, outros falam e escutam.
Naquele dia, em especial, ele se atrasara. Quando chegou, o amigo já estava lá. Sentado com a postura ereta, testa franzida e o olhar perdido. Mantinha as mãos pousadas sobre as pernas segurando o chapéu. Aproximou-se do amigo com um cumprimento cordial. Mal havia se acomodado, duas canecas fumegantes de café foram trazidas.
- Ora, já pediu?
- O de sempre, como sempre. - respondeu abrindo um sorriso o companheiro que até então permanecera sério.
- Como foi seu dia?
- Surpreendentemente bom para um sexta-feira 13.
- Como se você fosse muito superticioso... - retrucou tirando um cigarro do bolso e acendendo-o rapidamente.
O sinal de que a conversa de fato começava era a fumaça lúgubre do cigarro pairando sobre eles, lembrando Humphrey Bogart e dando à cena o elemento que faltava para completar o noir da noite. Após alguns instantes pensativo, o amigo do chapéu falou:
- A vi ontem. Ela parou de fumar, arrumou um namorado... Continua a mesma pequena de atos audaciosos, língua afiada e, ao mesmo tempo, jeito meigo. - concluiu com o suspiro que só conhece quem já amou.
- E isso significa que você continua...
- Não - interrompeu o amigo do chapéu antes que o amigo do cigarro terminasse a frase. Não - continuou - não sinto o que presumi que sentia..
- Amigos?
- Grandes Amigos. Mas e seu dia? Como foi?
- Teve sua parcela de alegria e sua parcela de angústia, como todos os dias tem - disse inquieto o amigo do cigarro batendo ritmicamente os dedos na mesa de madeira antiga.
- E qual foi a parcela boa?
- Vi a minha pequena pessoa.
- A ruim?
- Talvez ela não seja tão minha assim...
- Ciúmes? - indagou pousando o chapéu sobre a cadeira ao lado e analisando a expressão conhecida do amigo.
- Sim... Ela parece distante, como se não sentisse tanto quanto eu. E eu sei que sou egoísta e possessivo.
- Grande coisa, todo o ser humano é.. Talvez ela simplesmente não saiba demonstrar, mas você sabe que ela sente. Eu sei que você sabe.
Terminou o cigarro, depositou-o sobre o cinzeiro de metal e acendeu o segundo da noite.
- Preciso aprender a moldar meus sentimentos... Você liberta, eu prendo.
- Você não prende com os ciúmes. Apenas sente-se inseguro por achar que ela se importa mais com outras pessoas do que com você.
- Você liberta, não adianta... Eu prendo sem querer. Prendo querendo libertar.
Ao conversar, eles aconselhavam-se a si mesmos aconselhando um ao outro. O amigo nada mais é do que o nosso eu projetado. Ou seja, o diálogo era de eu para eu.
- Mas, sabe... - começou pausadamente o amigo do chapéu - quando as pessoas estão próximas, nenhum artifício se faz necessário para prendê-las. No entanto, quando elas estão longe, utilizo uma corda, a qual denomino saudade. Ela é amarrada nos corações daqueles com quem tenho alguma ligação. À medida que as pessoas se afastam, a corda vai se esticando e mais vai apertando. Dói. A dor mostra que há sentimento pela pessoa: os laços se fortalecem. Mesmo que as pessoas não estejam perto, a corda não prende, apenas mantem o elo.
Após ouvir as palavras do amigo do chapéu, o amigo do cigarro ergueu-se. Desfez-se do cigarro, desanuviou o olhar. Fitou o amigo e disse:
- Talvez eu tenha compreendido o ciúme agora.. Nada é além de uma saudade incontida de quem está ao nosso lado. Um protesto às vezes silente, às vezes gritante, de qualquer forma, um protesto por mais atenção.
Ao terminar de pronunciar essas palavras, precipitou-se em direção à porta
- Adeus, preciso encontrá-la... Já não é ciúme o que sinto. E não posso guardar esse sentimento.
Ensaiou um adeus. O amigo respondeu com um aceno de cabeça. Logo que fechou a porta atrás de si, soaram as doze badaladas do sino da igreja. Era meia noite. Um novo dia começava.