Fragmento de Lua crescente em Amsterdã

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(...)
    - E agora? O que acontece quando não se tem mais nada com o amor?
    Quase ele levou de novo a mão no bolso para pegar o cigarro, onde fumara o último?
    - Quando acaba o amor, sopra o vento e a gente vira outra coisa - respondeu ele.
    - Que coisa?
   - Sei lá. Não quero é voltar a ser gente, eu teria que conviver com as pessoas e as pessoas... - ele murmurou. - Queria ser um passarinho, vi um dia um passarinho bem de perto e achei que devia ser simples a vida de um passarinho de penas azuis, os olhinhos lustrosos. Acho que eu queria ser aquele passarinho.
     - Nunca me teria como companheira, nunca. Gosto de mel, acho que quero ser borboleta. É fácil a vida de borboleta?
    - É curta.
    O vento soprou tão forte que a menina loura teve que parar porque o avental lhe tapou a cara. Segurou o avental, arrumou a fatia de bolo dentro do guardanapo e olhou em redor. Aproximou-se do banco vazio. Procurou os forasteiros por entre as árvores, voltou até o banco e alongou o olhar meio desapontado pela alameda também deserta. Ficou esfregando as solas dos sapatos na areia fina. Guardou o bolo no bolso e agachou-se para ver melhor o passarinho de penas azuis bicando com disciplinada voracidade a borboleta que procurava se esconder debaixo do banco de pedra."

i've been dazed and confused but thanks god for Led Zeppelin

Existiam momentos em que ela acreditava mais fortemente em Deus:
um deles era deitar em baixo das árvores sentindo o sol beijar-lhe docemente o rosto,
o outro era ouvir e sentir Led Zeppelin.


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Precisava falar. Apenas isso. Mas não sabia ao certo o que ou a quem falar. Tinha medo de dar a cara  a tapa e, mais uma vez, fazer a aposta errada. Tinha medo de que o tempo deles realmente tivesse passado e ele apenas não tivesse coragem de dizer-lhe isso. Mas talvez ele também não soubesse. E, nesses momentos, cabe sempre a boa e eloquente voz da Cássia Eller entoando que "mudaram as estações e nada mudou, mas eu sei que alguma coisa aconteceu, tá tudo assim... tão diferente". É, as coisas estavam diferentes. Foi o que ele havia lhe dito. No entanto, o amor não deveria ser sempre o mesmo? Não era o que ela sentia. Talvez fosse questão de tempo. Talvez, talvez, talvez. Viver em um eterno talvez estava sendo uma tarefa árdua. No fundo, ela só queria que o olhar voltasse a ser o mesmo, que o sentimento voltasse a ser demonstrado da mesma forma. Ou então.