As palavras emaranhavam-se em uma teia de sentido indecifrável e inenarrável. No mosaico de significados desconexos, no entanto, entrevia-se o que aquilo tudo representava. Ela estava perdida. O caos encontrava-se em seus pensamentos. Caminhava confiante, apesar das circunstâncias. Saíra pela janela de seu quarto e abrira o portão que dava para a rua enquanto a madrugava corria alta. Caminhava sozinha na rua de areia sob o céu estrelado. Apenas caminhava tentando entender. Lembrava-se de uma citação do Guimarães Rosa que ela escrevera na primeira página de um de seus livros do Caio Fernando Abreu (não, "de Abreu", ok?), que ele lera um dia desses e que dizia: "a vida podia às vezes raiar numa verdade extraordinária". Desde que tudo começara entre eles, a vida raiara tranquila, passiva e doce. Era uma verdade extraordinária que ele trouxera para ela. Havia tanto a fazer, tantos motivos para sorrir, tanto e tão pouco tempo. Os textos no diário tornaram-se escassos e o cansaço alegre de viver foi tomando conta. Estava simplesmente feliz. A partir desse momento, os acontecimentos sucederam-se sem que ela parasse para refletir meticulosamente sobre o que eles significavam. Quando se está feliz, tudo parece certo. E, de fato, estava. Estava certo demais. Até que algumas coisas aconteceram, outras mudaram e ela se viu tendo que encarar o que ela havia se tornado, e precisava fazer isso sozinha. Nesse momento, ela percebeu que precisava voltar ao começo. Como ela era quando tudo começara? E o quanto havia mudado desde então? Na sua cabeça veio a melodia de uma canção de rock. "Não me lembro como eu era antes de você", cantarolou baixinho para si mesma. Ela ainda lembrava vagamente. Lembrava-se também do que os unira. O vento soprou com hálito de chuva que se aproxima. O céu outrora estrelado fora tomado por nuvens. "Não importa", pensou consigo enquanto se sentava em um gramado convidativo. As primeiras palavras de interesse, a canção que ele cantara para ela no teatro do colégio, a rosa entregue, o beijo no cinema, a dança na chuva. Todos os sorrisos e todas as lágrimas lhe voltavam à memória perfeitamente nítidos. Gotas de chuva escorriam-lhe pelas bochechas misturando-se com algumas lágrimas rebeldes. A chuva caía cada vez mais forte assim como a tempestade torrencial que se precipitara sobre eles nos últimos tempos. Acontece que de vez em quando todos nós precisamos de uma tempestade que nos pegue sem aviso prévio, nos desestruture e ao mesmo tempo nos lave a alma. E além do mais, eles tinham um guarda-chuva amarelo para protegê-los caso fosse necessário. "Tudo dará certo", repetia para si mesma voltando para casa com a alma sendo lavada pela chuva que caía.