L.F.T.

"Não era amada? Não, certamente não. Mas continuaria amando, amando até - morrer, não. Até viver de amor."
Lorena em As Meninas, Lygia Fagundes Telles

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Resposta...

   Sob a sua escrivaninha sei que repousam algumas folhas com uma letra miudinha e caprichada, letra de carta, dessas que a gente faz uma vez na vida e outra na morte. Ainda mais hoje, que as cartas entraram em ostracismo. Do lado dessas folhas deve estar o envelope com endereço e selo. Você não me respondeu, aliás, é claro que não. E eu nem esperava que fosse diferente. Ninguém responde as minhas cartas. Superei isso. Fazer o quê se tenho péssimos correspondentes... Portanto, essa é a minha resposta ao seu silêncio, entendido? Já que as respostas da vida andam perdidas por aí, espero que a minha chegue até você. Esses correios são meio enrolados, sabe, mas ainda sim são mais confiáveis do que quem entrega as respostas que a gente espera da vida. Essas aí acabam sendo extraviadas. E quando chegam, se é que chegam, a gente já até mudou de endereço. Essa vida, vou te contar. 
   Soube que você andava triste, triste, triste. Sinta a ênfase. Você não estava apenas triste. Tristeza equilibrada é saudável e inspiradora, porém esse não era seu caso. Você estava hiperbolicamente triste. Uma dessas tristezas que nem muitos abraços consolam. Quis saber o por quê. Você me falou. Preferia não ter escutado. Não consigo associar a imagem alegre que eu sempre tive de você com aquela tristeza que não parecia ser sua. Parecia mais ser uma tristeza do mundo todo. Além de tristeza, era um não querer viver tão forte... Penso que a vida nunca foi tão desdenhada por alguém. Quando te encontrar, um tapa na bunda vai anteceder o abraço. Tapa merecido pela genuína preocupação que eu senti pela sua vida. Fiquei imaginando você atravessando as ruas sem olhar e o trecho daquela música do The Smiths me veio à cabeça (ouça minha voz a cantarolar): 
" And if a double-decker bus 
Crashes into us
To die by your side 
Such a heavenly way to die
And if a ten-ton truck
Kills the both of us
To die by your side
Well, the pleasure and the privilege is mine." 
   Mas ela só serve se eu estiver junto, viu? Enfim, eu sei que você precisava falar. E só eu podia te ouvir. Não me contentei com a resposta que eu te dei aquele dia. Passei muito tempo pensando sobre o que você havia me dito e agora é a sua vez de ouvir o que eu tenho a dizer. Prest'enção. Na maior parte do tempo a gente não está feliz, pulando por aí, rindo por qualquer coisa. Essa sua angústia existencial é normal. Tinha um escritor que dizia que só se deve fugir da tristeza quando ela se torna um hábito. Não deixe que esse sentimento de descaso em relação à vida e de infelicidade seja maior do que você. Eu só consigo te imaginar de uma forma: sorrindo seu sorriso mais espontâneo do mundo. Assim que eu sempre me lembrarei de você. Tudo cansa mesmo, mas aí a gente descansa pra cansar tudo de novo. Acho que é disso que você anda precisando, um descanso bem bom. Sem mais, despeço-me por aqui. Sei que resposta não há, sequer espero. Cuide-se. Olhe para os dois lados antes de atravessar e estampe um sorriso nesse rosto!

Canto à Saudade...

Lá, desejo de estar aqui. Aqui, desejo de voltar. Eis-me, Saudade. Sei que és a sina silente cismando em meu destino. Moldando-se nos mais peculiares objetos. Tomando formas inesperadas. Mutável porém constante. Perscrutando em reminiscências adormecidas algum doce momento ou alguém que perdi. Sob andrajos, ó infeliz Saudade, teimas em trazer as latejantes insígnias de pesares incubados. Não me enganas sobre isso. Pensas que não sei que também nas dores há uma parcela ínfima de ti? Estás em toda parte. Por vezes, és tão intensa que corrói te sentir. Em retratos mofados, nas linhas escritas em papel de desabafo, na casa dos avós, nos livros da infância, no primeiro amor, na primeira perda: lá estás. Habitas cada côncavo espaço do úmido território das memórias. És um trem de regresso que insiste em descarrilhar no sentir. Mas sabes de uma coisa? Ó Saudade, não te sentir seria infindavelmente pior!

A você...


Começarei como nunca se deve começar, pedindo perdão. Peço perdão pelo meu descaso em sentir a sua falta, pois creio que em termos de falta, essa foi a minha maior. Passei um bom tempo sem dedicar a você algumas palavras. Também sem que a sua lembrança viesse tão nítida até mim. Mas noite passada você estava lá. Ritmos de outros tempos me remeteram à sua imagem dançante, ao sorriso meio torto, ao olhar ora perdido ora irônico. E já faz tanto tempo que você partiu... Você me pergunta pelas novidades? Sabe, eu cresci. Cortei o dedo enquanto picava tomate, levei um tombo e levantei, chorei e sorri. Enfim, essas coisas da vida que vem e vão. Se eu não vou perguntar por você? Não. Sei que você vai bem. Vai como pode, como ia aqui e como sempre irá aonde estiver. Fico angustiada às vezes, te culpando e invejando. Culpo suas atitudes incoerentes e simultaneamente invejo a sua audácia. Quisera ter metade da sua coragem. Outros a herdaram. Não sei se era a melhor parte de você, entende. As consequências foram amargas. Não, mas não é sobre isso que eu quero falar. Já perdi o foco. Sobre o que falávamos mesmo? Ou melhor, em  que parte do meu monólogo eu tinha parado? Você acaba me confundindo com a mania de não responder diretamente. Busco as respostas nos livros que você leu, nos filmes que viu, nas músicas que ouviu e nas pessoas. Busco no olhar do Gregory Peck, nos livros do García Marquéz, nas canções do Vinícius e nas palavras daquela que melhor te conheceu. Espero um dia conseguir compreender ao menos metade do que você foi. Não sei se poderei te descrever como outrora você me pediu. Mas eu tentarei, prometo que sim.

Um cheirinho, muitas saudades e adeus.